*Edição: Jota Carvalho, O Velho Escriba
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Uma história de luta e perseverança pelo sonho de brilhar nos palcos com a sua arte, fez com que Mercedes Baptista, tornasse sua trajetória um marco histórico à dança brasileira. Ela foi a primeira bailarina negra do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, um dos mais importantes palcos do país. Sua história e carreira longeva está em “Mão na barra, pé no terreiro, a vida e a dança de Mercedes Baptista”, protagonizada pela atriz e bailarina Ivanna Cruz, que conduz o enredo, relembrando origens e as batalhas da mulher negra, tal como ela, para conseguir que sua arte fosse reconhecida. A história de duas gerações que não desistiram!
A estreia das cinco apresentações programadas aconteceu dia 20/11/2024, celebrando o Dia da Consciência Negra, às 19h, no Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, na Tijuca. Agora, o espetáculo será atração no Instituto Pretos Novos, na região da Pequena África, de 27 a 29 deste mês, sempre às 15h. A cidade de Itaocara, município do noroeste fluminense, também receberá duas apresentações, dias 2 e 3 de dezembro. A peça tem direção artística de Luiz Antônio Rocha e texto de Ivanna Cruz, Luiz Antônio Rocha e Pedro Sá de Moraes; coreografias de Diego Rosa, cenário e figurinos de Eduardo Albini. Também entram em cena os músicos/atores Chico Vibe e Lelê Benson. A montagem conta com iluminação de Ricardo Fujii. Mais de 90% da ficha técnica desse projeto é composta por artistas e técnicos negros, atuantes na cena cultural brasileira.
“Mão na barra…” é um musical que resgata ritmos como o Jongo, a Mana Chica e ancestralidade dos ritmos trazidos da África pelos antepassados africanos, escravizados e retirados à força de suas terras, seus laços familiares e culturais, além de impostos à diáspora dolorosa pelos portugueses que aqui dominaram e colonizaram o que descobriram a partir de 1500.
O repertório resgata a cultura, os sons que remetem à memória e à preservação cultural afrodescendentes, o que Mercedes fez e conseguiu. Sua conterrânea, Ivanna Cruz, décadas depois, seguiu pelo mesmo caminho. As duas, nascidas em Campos dos Goytacazes (norte do Estado), nunca desistiram, mesmo com as formas de racismo existentes na sociedade.
O diretor artístico, Luiz Antonio Rocha, aponta que Mercedes Baptista foi e é a pedra fundamental da identidade afro-brasileira na dança, influenciando várias gerações de artistas e movimentos culturais. Valorizou a identidade negra dando visibilidade, respeito às mulheres e combate ao racismo. “Sua história nos inspira, além de homenageá-la. Resgatamos ritmos que estão desaparecendo como o Jongo e a Mana-Chica (RJ). O projeto destaca a cultura e a arte popular influenciadas por matrizes de povos afro diaspóricos”, afirma Rocha.
Quem foi Mercedes Baptista, uma das grandes na dança brasileira
Nascida na cidade de Campos dos Goytacazes, Região Norte do estado do Rio de Janeiro, Mercedes Baptista superou obstáculos e quebrou barreiras raciais, abrindo caminho para futuras gerações de bailarinos negros. Sua ascensão é um testemunho do poder da arte em transcender fronteiras sociais e raciais. Foi a responsável pela criação do balé afro-brasileiro, inspirado nos terreiros de candomblé, elaborando uma codificação e vocabulário próprio para essas danças.
Com o seu Ballet Folclórico, Mercedes Baptista foi responsável pela consolidação da dança moderna do Brasil. Ao longo de sua trajetória, recebeu diversos prêmios e reconhecimentos, solidificando posição como uma das principais bailarinas do país. A estreia no Theatro Municipal foi um momento culminante na carreira e exemplo inspirador de superação.A produção artística negra, sistematicamente apagada e desvalorizada, quando entendida sob o viés decolonial, evidencia o potencial intelectual e econômico da cultura afro-brasileira. São produções, que possibilitam a manutenção de laços comunitários entre a população negra, assim como ofertaram as bases que estruturaram a identidade nacional. A inserção da dança afro-brasileira, batuque, canto preto e filosofia africana como eixo central da pesquisa, contribui ao fazer a ponte entre o que existe na atualidade.
Para Luiz Antonio, “é impressionante o apagamento de tantos artistas negros, como Mercedes e contemporâneos dela até hoje. Mercedes merece ter sua história contada e recontada de toda maneira possível, pois foi pioneira, enfrentou adversidades para ser a figura que se tornou”. .
O espetáculo parte do encontro entre Mercedes e a atriz e bailarina Ivanna Cruz, com meio século de intervalo entre elas, duas artistas pretas da dança que nasceram na mesma Campos dos Goytacazes, uma das últimas cidades do Brasil a acatar a abolição da escravidão, assinada pela Princesa Imperial, Isabel, em 13 de maio de 1888. “Diante dos obstáculos, cada vez mais duros enfrentados em sua caminhada de artista negra, Ivanna encontra em Mercedes a fonte de resiliência e encantamento; a chave para destravar as portas do seu futuro. No espetáculo, há uma teia formada por relato pessoal, investigação histórica, dança e canções que ecoam a tradição e as raízes compartilhadas por ambas”, acrescenta Luiz.
Ivanna Cruz, atriz e bailarina multifacetada que respira arte
A atriz, dançarina, produtora, educadora popular e professora de dança afro, nasceu em Campos dos Goytacazes, Cursou Teatro Experimental do SESC e Curso Técnico Profissionalizante da Cal. Atuou em espetáculos como: “Vestido de Noiva”, “Antígona”, “A Serpente”, “Marido Oscar”, “O outro lado da história”, “O boi e seus alegres brincantes”, “Histórias Encantadas”, “A Arca de Noé”, ”Ilê Sain à Oxalá”, 2000 a 2015 “A menina e o vento” “As Feras”, de Vinicius de Moraes de 2017 a 2019. Dirigiu os musicais: “Metal contra as nuvens” e “Batuque das Tias”, e o infantil “A Fada cheia de ideias”. Participou dos Curtas Metragens “Broadway” dir. de Maycon Gual ( 2017) e “A Casa de Pedra”, dir. Ricardo Conti (2018). Participou da novela “Quanto Mais Vida melhor”, na Rede Globo. Ivanna também está a frente de ações como ativista cultural na cidade onde desenvolve trabalho em terreiros e escolas divulgando a tradição popular através de danças como “Mana Chica”, similar às quadrilhas de roda com nuances do Fado do tempo da escravidão.
Luiz Antonio Rocha, operário das artes por vocação
Produtor, autor e diretor teatral, é um dos mais conceituados diretores de casting do mercado, segundo a revista Veja. Foi membro do conselho da Michael Chekhov Brasil e em 2012, fez parte do júri oficial do International Emmy Awards realizado em Nova York. Foi indicado ao prêmio Shell de 2019 na categoria inovação por Paulo Freire, “O Andarilho da Utopia”. Sendo considerado por Flávio Marinho no seu livro “Quem tem medo de besteirol” como um dos reinventores do gênero. Seus espetáculos, além de ficarem muito tempo em cartaz, possuem marca autoral com sensibilidade que valoriza a força do ator e da palavra. Seus últimos espetáculos: “ Anima”;“O Profeta”, uma releitura filosófica da obra de Khalil Gibran; “ Helena Blavatsky, a Voz do Silêncio, “Zilda Arns, a dona dos Lírios ; “Brimas” , “Frida Kahlo, a Deusa Tehuana”, “A história do Homem que ouve Mozart e da Moça do lado que escuta o Homem” , “Uma Loira na Lua”; “Eu te darei o Céu”, entre outros.